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Inter usa de encaixes, congela no Grêmio e mostra: futebol é feito de escolhas

Inter usa de encaixes, congela no Grêmio e mostra: futebol é feito de escolhas

O Grêmio é um dos melhores times no Brasil, o que só aumentou a rivalidade com o Internacional, que vê em Odair Hellmann a missão de reconstruir o clube após o rebaixamento em 2016. A construção de um novo time e um novo modelo de jogo não vem sendo fácil. Até por isso, a estratégia do treinador colorado no empate na arena do rival se mostrou mais que válida. O Inter congelou o Grêmio o jogo todo. E mostrou que futebol é um jogo sem dogmas e ideias pré-concebidas.
O Inter tem um grupo de força física e velocidade. Sofre dificuldades quando precisa jogar tocando. Quando é agressivo e combatente sem a bola, as características individuais de caras como Dourado, Patrick, Rossi e Lucca se sobressaem. Isso foi usado como estratégia para minar o jogo de toques finos e circulação de bola do Grêmio, que ficava tocando, mas pouco frequentou a área para finalizar.
Odair concebeu o colorado cheio de encaixes: pontas nos laterais do Grêmio, volantes nos meias, zagueiros encurtando as idas de André para o meio-campo. Tudo para não deixar ninguém receber a bola livre. O líder dessa iniciativa foi Patrick. Criticado por jogar muitas vezes como extrema,no jogo ele foi o substituto de D’Ale no 4-1-4-1 colorado. Mas não como um articulador. Suas ações no jogo tinham o objetivo claro de bloquear a saída limpa do Grêmio em Maicon e Arthur. Assim que um dos dois tocava na bola, Patrick deixava seu alinhamento com Zeca no meio-campo para encurtar um dos volantes. Procurava colocar o pé para onde eles direcionavam a jogada, forçando o Grêmio a atrasar a jogada.
E ganhava sempre no físico. Não conseguia fazer com que Arthur ou Maicon saíssem de sua zona de influência. Aqui, ele encurta a jogada de Maicon, que vira e passa ao lateral. Isso cria o que se chama de pressão. O Grêmio começou bem e até ensaiou algumas saídas dessa pressão, mas depois de um tempo, cansou. Passou a atacar menos os espaços, como nessa imagem, onde Maicon vira a bola porque nenhum companheiro cria apoio na região vermelha.
Se o Inter tem um grupo tecnicamente inferior, mas fisicamente superior, porque não usar mão do artifício de encaixe? Veja aqui como o Grêmio teve a bola, mas pouco jogou. Alisson flutuou e foi apoiar Maicon e Arthur, que não conseguiam rodar a bola. Isso fez Patrick deixar seu encaixe para Dourado. Agora veja Victor Cuesta: ele identificou que André virou para receber a bola e foi encurtar esse apoio.
O jogo ficou picotado e o Inter, até por características de elenco, não conseguiu articular as saídas quando retomava a posse. Mas, sem a bola, equiparou virtudes com o melhor time da América. Não é pouco.
A lógica dos encaixes
Existe a ideia, concebida após o 7x1, que marcar por zona é melhor. Afinal, vantagens não faltam: o time fica mais compacto, o raio de ação do oponente fica menor e jogadores cansam menos. Essa noção é falsa. O que determina o sucesso ou fracasso de um time - e das maneiras que ele lida com as questões do jogo - é a forma e competência da execução de suas ideias.
Assim como na vida, não existe uma ideia superior ou inferior. Ideia vem de ideal, logo, algo quase inatingível. Ideias no futebol existem e evoluem com o tempo, mas o que sempre determinou seu sucesso é a forma com a que se executa. Quando o Santos perdeu de 4x0 para o Barcelona, o "tiki-taka" parecia ser uma verdade. Um ano e meio depois, o Bayern de Munique massacrou aquele mesmo Barça com outro tipo de futebol. Não foi o "tiki-taka" que morreu, foi sua execução que não encontrou os jogadores de estado físico e mental perfeitos para aquela forma.
O mesmo acontece com a marcação por zona e a marcação por encaixes. Pode-se questionar que quase nenhum time europeu marca por encaixes. Mas também que nenhum time marca "puramente" por zona, sem deixar de ser agressivo no portador da bola. A diferença é que essa ação acontece de forma muito mais rápida e curta, e o jogador rapidamente volta para sua zona. A Alemanha que fez 7 gols no Brasil é um exemplo: dá pra ver o 4-1-4-1 bem montado e super compacto aqui na imagem, mas veja como Lahm sai do alinhamento para pressionar Hulk. O brasileiro conduz e sai da “zona de influência” de Lahm, que rapidamente volta pra linha.
É um conceito difícil para o jogador brasileiro. O jogo brasileiro é mais cadenciado porque os gramados são piores e o clima é muito mais quente que o europeu. Esse movimento rápido de Lahm é mais difícil de ser executado assim. Além disso, todo jogador brasileiro cresceu jogando futebol de rua ou salão, onde a lógica em curtos espaços é a de encaixar individualmente. Pensando numa perspectiva mais ampla, a lógica da marcação por encaixes perdura por quase 100 anos. Nasceu com a nova lei do impedimento em 1925, quando bastavam 2 e não 3 o número de jogadores atrás da linha da bola para validar a posição de um adversário.
A regra fez o inglês Herbert Chapman a criar o WM, esquema que virou mundialmente regra até a década de 1950. Com times jogando espelhados, era frequente os jogadores de setores próximos se trombarem várias vezes durante o jogo, o que estimulou os “encaixes” - quem cai na área de influência daquele jogador, recebe a marcação para encurtar o espaço e tirar o tempo da jogada. Até a década de 1960, todos os times jogavam no WM ou no 4-2-4. A Inglaterra de 1966 ajudou a mudar essa ideia. Foi uma das primeiras a mostrar como a compactação dificultava as ações do adversário.
No fim da década de 1960, novas ideias surgiram no futebol. Na Argentina, o técnico Oswaldo Zubeldía implementou a técnica do "off-side" e fez o Estudiantes jogar puramente em zona, com a linha de defesa bem adiantada. Foi um dos inspiradores de Rinus Michels no Ajax e Artigo Sacchi no Milan bi-campeão europeu, equipe que popularizou a marcação por zona no mundo.
Nas transmissões televisivas, ouvimos que essa linha é burra. Mas o que determina a burrice ou inteligência do jogo é como se coloca ideias em prática.
O futebol é feito por seres humanos diferentes, com mentes distintas e formas de lidar com a vida que nem sempre batem com o que você tem com o certo. Vale o mesmo para os conceitos. Não é porque Guardiola joga assim que seu time tem a obrigação, quase que por dor, de fazer o mesmo. Entender o contexto é fundamental para saber ver e saber cobrar. Porque o futebol sempre foi e sempre será um jogo de escolhas.
 





Autor: Comunitária 98.3 FM / Ronei Nunes

Data da Postagem: 14/05/2018 05:54:00

Fonte: G1